Por Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque
Escrever bem, com
fluência, um texto científico não é tarefa fácil, mas possível por meio da prática reflexiva e do conhecimento de alguns procedimentos. O exemplo das dificuldades pelas quais
Charles Darwin passou após os cinco anos de viagem a bordo do beagle ilustra essa situação, que não se restringe aos "simples mortais", mas também aos grandes homens da ciência. Na ocasião, ele estava em alto-mar tentando reescrever as
anotações geológicas para obter
fluência, porém ele considerava não ter sido exatamente bem sucedido, como
revela a confissão:
“Estou
começando a descobrir agora as dificuldades que alguém tem de expressar as
ideias no papel. Quando isso consiste apenas em descrever algo, é bastante
fácil; mas quando o raciocínio entra em jogo, quando é necessário estabelecer
uma conexão apropriada e, atingir
clareza e fluência modestas, tudo isso é para mim, uma dificuldade do qual não
tinha ideia”(DESMOND; MOORE, 2009, p. 201)
Escrever
bem aprende-se escrevendo de forma reflexiva, por isso deve fazer parte da
labuta cotidiana do pesquisador. Prática reflexiva significa fazer quantas vezes for necessário para se chegar ao resultado desejado, levando-se em conta os conhecimentos e procedimentos existentes sobre o assunto. Isso significa buscar modelos, testar, questionar, fazer e refazer.
O texto representa a pesquisa empreendida, o
trajeto percorrido, o que requer fluência, clareza e procedimentos de
argumentação. Flick (2009) explica que a
produção textual é a parte básica da pesquisa qualitativa e que produzi-la é um
caso especial de construção social da realidade. Isso porque o texto revela uma
concepção de mundo, representada por meio da linguagem, que deve se estruturar de forma lógica e lingüística.
O argumento é um
princípio básico para a construção do texto, visto que se pretende persuadir o
leitor sobre determinada ideia. Platão e Fiorin (1997), na obra
“Para entender o texto”, apresentam os principais recursos para o texto ser
convincente:
A unidade: o texto deve ter uma espinha dorsal, um objeto central. Textos
que abrangem muitas informações acabam por “desinformar” e confundir o leitor.
Vale ressaltar que isso não significa ser redundante ou repetitivo. O texto
deve ter variedade dentro do próprio conteúdo a ser explorado, desde que se
inicie, continue e finalize dentro do mesmo tema.
Argumento da autoridade: defesa de tese com citação de
autores/pesquisas sobre o assunto. Um texto ganha maior peso e credibilidade
quando se sustenta em outros textos que trataram o assunto.
Estabelecimento de correlações lógicas entre
as partes do texto: o texto
precisa ser organizado de forma lógica, apontando as causas e os efeitos das
afirmações que produz.
Refutação dos argumentos contrários: parte-se do princípio que sempre há ideias
divergentes sobre o mesmo assunto. Assim, deve-se apresentar com clareza as
opiniões contrárias e refutá-las com argumentos sólidos.
Confirmação da tese por meio de exemplos: uma ideia geral e abstrata fica mais
robusta quando acompanhada de exemplos concretos e adequados.
Vale lembrar que o
texto é uma sequência de enunciados organizados de forma lógica. Os enunciados
são estruturados por parágrafos. Cada parágrafo deve conter uma única
afirmação. Além disso, os parágrafos devem estar conectados uns com os outros,
de forma que o leitor consiga visualizar a linha de pensamento do pesquisador.
Assim, a
produção textual, apesar de ser tarefa complexa, pode ser melhorada a partir do
uso de técnicas de argumentação e da prática reflexiva. O pesquisador deve ter
em mente que o texto precisa ter um tema central, apoiar-se em outros textos e
autores para tornar a sua ideia mais robusta; organizar os enunciados e
parágrafos de forma lógica, considerando as causas e efeitos das afirmações;
apresentar ideias contrárias ao argumento e refutá-las , bem como usar exemplos adequados para
ilustrar as ideias.
Referências:
DESMOND; MOORE. Darwin: a vida atormentada de um evolucionista. Geração editorial, 2007.
FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco. Para entender o texto: leitura e
redação. 13 ed. São Paulo: Ática, 1997.
FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3 ed. Porto Alegre: Artmed,
2009.
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