EVOLUÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA DOS ESTUDOS DE COMPORTAMENTO INFORMACIONAL DE USUÁRIOS
Resumo
Este artigo visa a contribuir para o conhecimento mais aprofundado sobre estudos de comportamento informacional de usuários, com base em como vêm sendo tratados na literatura da ciência da informação, nas últimas seis décadas. Para tanto, a análise se fundamenta nas revisões publicadas no periódico Annual Review of Information Science and Technology (ARIST) e em outros trabalhos que complementam o tema abordado, mostrando sua evolução teórica e metodológica. Uma diferença crucial identificada está relacionada à mudança conceitual observada, a qual, por sua vez, denota a ampliação da visão epistemológica dos estudos. Tal mudança, por seu turno, refere-se, principalmente, à terminologia adotada para definir o tópico, que passa de “estudos de usuários” ou “necessidades e uso de informação” para “comportamento informacional de usuários”. Trata-se, entretanto, não somente de mudança terminológica, mas, principalmente, de mudança paradigmática, resultado de transformações na forma como o tópico é definido e abordado, e no modo como é investigado.
Palavras-chave: Comportamento informacional. Estudos de usuários. Necessidades e usos da informação. Evolução paradigmática.
Abstract
The present article aims to contribute to a deeper understanding about how user information behaviour studies have been dealt with in the literature on information science over the last six decades. With this purpose in view, the authors build their analysis on the reviews published in the journal Annual Review of Information Science and Technology (ARIST), as well as on additional works that complement the analysis. Accordingly, the topic is looked at by means of its theoretical and methodological evolution. A crucial difference identified is related to conceptual changes observed, which, as well, refer to an enhanced epistemological view of the studies. Such changes, by their turn, concern mostly to the terminology adopted to define the topic. In fact, it has moved from ‘user studies” or “information needs and use” to “user information behaviour”. It is important to note that this is not only a terminological change. It is, above all, a paradigmatic change, resulting from changes in both the way the topic is defined and approached and how it is actually investigated in information science.
Keywords: Information behaviour. User studies. Information needs and use. Paradigmatic evolution.
1. Introdução
Embora se observe no Brasil, nos últimos anos, a emergência de pesquisas intituladas comportamento informacional de usuários, em geral tais estudos ainda são conhecidos como estudos de necessidades, contidos no tópico ‘estudos de usuários’[1]. Contudo, tanto Wilson (2000) quanto Pettigrew, Fidel e Bruce (2001) entendem o comportamento informacional como campo oriundo das limitações dos estudos de usuários e, portanto, constituindo uma evolução desses estudos.
Os estudos de revisão sobre comportamento informacional descrevem o cenário das grandes questões tratadas desde as primeiras pesquisas na área até os dias atuais, em que se delineiam as características principais de cada década, consideradas, desse modo, como os paradigmas vigentes para o direcionamento das pesquisas. Nessa perspectiva, paradigma refere-se às crenças e valores subjacentes à prática científica, sendo entendido como um modelo de ciência que serve como referência para o fazer científico durante determinado período de tempo (KUHN, 1962).
Este artigo apresenta os paradigmas em vigor ao longo do desenvolvimento do tópico, levando em conta cada contexto analisado, principalmente o contemporâneo. Para tanto, o método utilizado foi a pesquisa documental, envolvendo a identificação, análise e sumarização das principais discussões presentes nas revisões do Annual Review of Information Science and Technology (ARIST), que condensa a literatura de determinados períodos, fornecendo, assim, os principais tópicos para estudo.
Para complementar as abordagens do ARIST, outros trabalhos relevantes da literatura internacional foram examinados. O resultado da análise permitiu identificar a terminologia, a metodologia e as tendências sobre o tópico investigado.
2. Construção do conceito de Comportamento Informacional
Ao analisar as revisões da literatura sobre necessidades e uso de informação, observa-se uma evolução no enfoque dos estudos, partindo de uma perspectiva mais restrita para uma mais abrangente, tanto no que se refere aos conceitos e metodologias, como também aos grupos de usuários estudados. Em 1970, Brittain definiu os estudos de usuários como aqueles que comportam os estudos de uso, demanda e necessidades. Na visão do autor, os estudos de uso objetivam conhecer os mecanismos de busca da informação e de uso de fontes de informação. Já os estudos de demanda referem-se às solicitações feitas a um sistema. A grande crítica de Brittain residia nas pesquisas sobre necessidades, as quais, muitas vezes, eram confundidas com as de demanda em razão da imprecisão do próprio conceito de necessidade.
Figueiredo (1994) entende estudos de usuários como as investigações realizadas para conhecer as necessidades de informação dos usuários, ou a avaliação do atendimento das necessidades de informação pelas bibliotecas e pelos centros de informação. Wilson (1999), no entanto, após vários estudos sobre o tópico, amplia significativamente a ideia de estudos de usuários, salientando que eles podem ser compreendidos de maneira mais abrangente. Para tanto, devem ser inseridos no campo do comportamento humano, e denominados ‘comportamento informacional’. Esse tipo de comportamento refere-se às atividades de busca, uso e transferência de informação nas quais uma pessoa se engaja quando identifica as próprias necessidades de informação.
Em um artigo publicado em 2000, Wilson propõe quatro definições relacionadas ao comportamento informacional humano:
§ Comportamento informacional: a totalidade do comportamento humano em relação ao uso de fontes e canais de informação, incluindo a busca da informação passiva ou ativa.
§ Comportamento de busca da informação: a atividade ou ação de buscar informação em conseqüência de uma necessidade para se atingir algum objetivo.
§ Comportamento de pesquisa de informação: o nível micro do comportamento, em que o indivíduo interage com sistemas de informação de todos os tipos.
§ Comportamento do uso da informação: constitui o conjunto dos atos físicos e mentais e envolve a incorporação da nova informação aos conhecimentos prévios do indivíduo.
Em consonância com a proposta de Wilson (2000), Pettigrew, Fidel e Bruce (2001) compreendem o ‘comportamento informacional’ como as atividades que envolvem as necessidades dos indivíduos e de como as pessoas buscam, usam e transferem a informação em diferentes contextos. Na literatura recente da ciência da informação, portanto, o conceito de comportamento informacional reflete as noções identificadas nos estudos sobre usuários de informação. Mais que isso, identificam-se novas questões introduzidas no estudo do tópico.
O conceito de contexto, ressaltado por Courtright (2007), norteia pesquisas e suscita preocupações tais como: a definição de limites, os fatores que influenciam a prática informacional e as novas tecnologias. A autora identifica quatro sentidos usados para contexto. Primeiro, a noção de ‘container’, em que os elementos existem objetivamente em torno dos atores. Segundo, a construção de significado, em que se analisa o ponto de vista do autor. Terceiro, o conceito de construção social, em que os atores elaboram a informação por meio da interação social. Finalmente, a questão relacional, em que os conceitos de ator social e contexto estão vinculados entre si.
À noção de contexto, subentendem-se outros conceitos inter-relacionados, como situação, complexidade das tarefas, problemas, contornos, normas, cultura, capital social e redes sociais, dentre outros, ampliando a estrutura conceitual da área. Apesar de se observar, na literatura da ciência da informação, uma estrutura conceitual básica sobre os estudos de comportamento informacional humano, pode haver variações em relação aos conceitos e proposições, dependendo da abordagem empregada, seja comportamentalista, cognitivista, social ou multifacetada. Dessa forma, para se analisar as principais questões desses estudos e o desenvolvimento deles na área, é necessário construir um panorama desde as suas origens.
3. Dos ‘estudos de usuários’ aos ‘estudos de comportamento informacional’
3.1. Décadas de 50 e 60
As primeiras investigações no campo dos estudos de usuários foram realizadas após a década de 1940, impulsionadas por dois eventos. O primeiro, a Conferência de Informação Científica da Sociedade Real, em 1948, no Reino Unido. O segundo, a Conferência Internacional de Informação Científica, em Washington, Estados Unidos, em 1958. Nessas conferências, foram apresentados trabalhos que despertaram a atenção dos participantes para a importância dos estudos das necessidades dos usuários.
A revisão de Menzel (1966) sobre necessidades e uso de informação nas áreas de ciência e tecnologia inaugurou uma série de revisões sobre o assunto. O autor realizou estudos quantitativos de 1963 a 1965 para estabelecer definições e conceitos do tópico estudado. Menzel argumentava que os estudos de necessidades e usos são aqueles voltados para o comportamento e as experiências dos cientistas e tecnólogos em confronto com canais de informação. Os estudos, baseados em dados empíricos e observações do comportamento, eram organizados em três categorias, nomeadamente estudos de avaliações e preferência, estudos de uso e estudos de disseminação.
A segunda revisão, realizada em 1967, por Saul e Mary Herner, complementou o trabalho de Menzel. A pesquisa cobriu as publicações de 1966 e algumas de 1965 não avaliadas na primeira revisão. Foram apresentados sete problemas nas publicações analisadas. O primeiro refere-se ao uso de poucas técnicas de pesquisa. O segundo, à diversidade de tipos de usuários em que essas técnicas são aplicadas. O terceiro, à diversidade e ambigüidade da linguagem na discussão das técnicas usadas e nos resultados. O quarto, à carência de inovação. O quinto, ao insucesso em fundamentar os resultados obtidos. O sexto, o fracasso em aprender com os erros. Finalmente, o problema da freqüente ausência de projetos de experimentos rigorosos.
Paisley (1968) fez a terceira revisão dos estudos de necessidades e de uso da informação, abrangendo alguns trabalhos surgidos em fins 1966 e durante o ano de 1967. O autor afirmou que muitos estudos apresentavam problemas metodológicos, que os tornavam inconclusivos. Nesses estudos, não eram considerados fatores como: a grande quantidade de fontes de informação disponíveis; o contexto em que as informações são usadas; a motivação, a orientação profissional e outras características do usuário; os sistemas social, político, econômico e outros que afetam intensamente os usuários e o trabalho e as conseqüências do uso da informação. Ainda assim, Paisley constatou o crescimento e o amadurecimento da qualidade dos trabalhos que poderiam oferecer diretrizes para conceber e avaliar sistemas de informação. Sugeriu, porém, que novos estudos deveriam usar metodologia eclética para fortalecimento da teoria.
Os trabalhos publicados em 1968 foram revisados por Allen (1969), usando a estrutura sistêmica proposta por Paisley (1968), na qual o usuário se localiza em uma série de sistemas concêntricos. Allen identificou a existência de muitos trabalhos que usaram instrumentos inadequados para a área das ciências sociais. Por outro lado, havia um corpo qualificado de boas pesquisas no campo. Outro ponto ressaltado pelo autor relacionava-se ao fato de que muitos trabalhos não deixavam claro se o sujeito da pesquisa era cientista ou tecnólogo, visto que as duas populações apresentavam diferenças comportamentais, particularmente em relação à forma de comunicação.
Allen (1969) concluiu a revisão, observando que muitos estudos ainda eram realizados por indivíduos preocupados com problemas locais, sendo usualmente de baixa qualidade e com poucas contribuições para a ciência da informação. Entretanto, detectou um colégio invisível composto por estudiosos do tópico, membros de várias instituições. Na visão do autor, tais estudiosos poderiam desenvolver uma estrutura social desde que atuassem em disciplinas específicas. Ao vislumbrar a possibilidade de esboçar fluxos estabelecidos da investigação científica relacionados às áreas específicas, o autor considerava o lado positivo da questão.
As pesquisas realizadas entre os anos de 1950 até meados da década de 1960, primeiro período dos estudos de usuários, concentravam-se nos indivíduos que utilizavam informações científica e tecnológica. Muitos estudos eram realizados em um conjunto relativamente pequeno de assuntos, com membros de disciplinas específicas ou da comunidade científica como um todo. A técnica mais comumente empregada era a dos questionários auto-administrados. As investigações tinham natureza exploratória e os resultados eram descritos em termos gerais, a partir da reunião de dados sobre hábitos e necessidades. Essas informações generalistas permitiram o desenho de sistemas de informação de acordo com a maioria das necessidades dos usuários. Entretanto, como os resultados eram, algumas vezes, contraditórios, muitos estudos falharam na tentativa de dar sustentação à estruturação dos sistemas de informação (MARTYN, 1974).
Em meados de 1960, os estudos mais generalistas começaram a rarear. Apesar da produção de uma grande quantidade de levantamentos sobre usuários, segundo Martyn (1974), nem sempre eles eram de boa qualidade. Alguns estudos utilizaram instrumentos mais sofisticados, como técnicas de observação indireta e análise de citação. Métodos sociológicos mais refinados foram aplicados aos estudos de sistemas informais de transmissão de informação, possibilitando a descrição de colégios invisíveis e nomeação de gatekeepers, além da compreensão mais profunda sobre as formas de como a informação era adquirida e usada. Todavia, esses estudos tiveram pouco impacto sobre os designers de sistemas de informação.
3.2. Década de 70
O trabalho de Lipetz (1970) inaugurou as revisões da década de 1970, enfatizando os estudos que podiam ser transpostos para outras situações. Os estudos de necessidades e uso da informação foram conceituados como atividades racionais voltadas para um fim específico, com o objetivo de explicar os fenômenos observados, predizer instâncias do uso de informação e controlar sua utilização por meio da manipulação de condições essenciais. Os objetivos seriam alcançados se precedidos de atividades de descrição, definição dos conceitos e teorização das relações causais ou qualitativas entre uso da informação e os fatores associados. Lipetz (1970) agrupou as pesquisas em três seções – levantamento e medidas, metodologia e teoria – sendo subdivididas, de acordo com a proposta de Paisley (1968), em subsistemas nos quais os cientistas e tecnólogos podiam ser identificados.
Lipetz (1970) concluiu a revisão, destacando que os estudos de necessidades e usos da informação, como disciplina científica, ainda situavam-se em sua infância. Contudo, grande vigor e capacidade de crescimento foram percebidos, mesmo considerando a dinamicidade e a relatividade da natureza em que as necessidades divergem com o tempo, o usuário, o objetivo, a localização, as alternativas e outras variáveis. O autor sugeriu que, antes do esboço da teoria de um sistema de informação ideal para as complexas necessidades de qualquer idade, são indispensáveis mais dados quantitativos das necessidades e do comportamento humano.
Em seguida, Crane (1971) apresentou revisão sobre o tema, cobrindo alguns estudos não incluídos na revisão anterior e novos estudos publicados ao longo do período entre aquele e sua publicação – cerca de um ano. O presente artigo, todavia, não discute o trabalho de Crane, por não ter sido possível ter acesso ao seu texto. No entanto, sabe-se que a autora abordou questões relacionadas com os métodos então adotados nos estudos de necessidades e uso de informação, corroborando a visão crítica de que careciam de mais rigor científico.
Lin e Garvey (1972) fizeram a revisão sobre necessidades e usos de informação na ciência e na tecnologia, referentes ao ano de 1971, verificando que estudos sistemáticos sobre o assunto tornaram-se um fenômeno internacional. Utilizaram um modelo de comunicação científica, especificando as fases de necessidades, de busca, de transferência e de uso da informação. As limitações do modelo relacionavam-se: ao foco voltado para a informação, apesar do reconhecimento da existência de pontos de convergência entre os padrões de comportamento dos cientistas e tecnólogos e a estrutura socioeconômica da ciência e tecnologia; à ausência de análises individuais de cientistas e tecnólogos; e, por fim, à introdução de conceitos sem definições precisas.
Os autores sugeriram, à guisa de conclusão, a ampliação das discussões sobre quatro tópicos considerados críticos. O primeiro era a definição clara do conceito de colégio invisível. O segundo relacionava-se ao intercâmbio de informações e as pessoas atuantes como gatekeepers, para averiguar as informações fornecidas por elas e as relações com as suas funções, com o objetivo de traçar o mapa do fluxo da informação do ambiente externo da organização. O terceiro tópico era a lacuna evidenciada pela carência de integração entre os pesquisadores e os designers dos sistemas de informação. E, por fim, o tópico mais preocupante referia-se à conceituação do comportamento informacional dos cientistas e tecnólogos para o estudo dos elementos dos sistemas de interação entre informações e usuários reais e potenciais. Assim, os modelos de comunicação poderiam auxiliar no mapeamento dessas inter-relações.
Martyn (1974) iniciou a oitava revisão do ARIST assegurando que ‘a era dos dinossauros’ havia terminado para os estudos de usuários. Analisando os estudos publicados em 1972 e 1973, verificou que o número de publicações foi consideravelmente menor do que nos anos anteriores. A revisão do autor dividiu-se em três tópicos. No primeiro, estudos orientados para sistemas, foram analisadas pesquisas realizadas com o objetivo de orientar ou mudar serviços específicos. No segundo, estudos orientados para os componentes, foram analisados trabalhos do ponto de vista dos usuários sobre os componentes da rede de comunicação científica e técnica. No último tópico, intitulado Background Research, foram relatados estudos voltados para a ecologia da informação ou com metodologias inovadoras.
Na conclusão, Martyn afirmou que se passou a reconhecer a complexidade e a singularidade das necessidades de informação dos usuários, observando que a metodologia dos estudos de usuários se mostrava inadequada para esclarecer a natureza e as necessidades dos usuários de informação. Além disso, seria impossível prover todas as informações necessárias em todas as circunstâncias. Nessa perspectiva, seriam necessários estudos que não estavam voltados especificamente para os sistemas de informação, visando a ampliar a compreensão dos usuários e das necessidades deles, uma vez que o foco era o inter-relacionamento entre pessoas e idéias.
A revisão de Crawford (1978) abrangeu 95 publicações sobre estudos de necessidades e de busca da informação, impressas entre o período de 1975 a 1977, identificados no Information Science Abstracts Library Literature e em fontes informais. A autora, tal como o fizeram Brittain (1970) e Martyn (1974), reconheceu a dificuldade em definir, isolar e mensurar o conceito de necessidade, por envolver níveis diferentes de consciência nem sempre claros para o indivíduo. Ao contrário, o uso da informação como demanda expressa para um objetivo específico e para ser usada em um ambiente particular podia ser mais facilmente definida, embora os objetivos não fossem prontamente identificados e a precisão da comunicação nem sempre possível. Quanto às metodologias empregadas nos estudos de usuários, a crítica de Crawford recaiu sobre o uso de somente um método ou a combinação de métodos padronizados. As estratégias mais comuns utilizadas nas pesquisas eram os levantamentos (surveys), em oposição às experimentações ou simulações, ainda pouco usadas.
Crawford (op. Cit) identificou maior amplitude de temas pesquisados, diferentemente dos resultados apresentados no primeiro ARIST (Menzel, 1966), que se centravam nas necessidades e na busca de informação em ciência e tecnologia. Os pesquisadores começaram, também, a distinguir os aspectos cognitivos dos sociais no uso da informação. Na conclusão da revisão, a autora apresenta cinco pontos resultantes da análise. O primeiro refere-se à inclusão de pesquisadores de várias disciplinas ao escopo dos estudos de uso da informação. O segundo vincula-se à ampliação do levantamento das necessidades de vários grupos, como idosos, populações urbanas, minorias e cientistas e técnicos. O terceiro ponto relaciona-se à evidência de maior refinamento das conceituações e metodologias, em que os conceitos das ciências sociais, combinados com as técnicas quantitativas, produziram casos efetivos. O quarto, a introdução da variável ‘ambiente de uso da informação’. Finalmente, a distinção entre os aspectos cognitivos e sociais da informação, acrescentando novas perspectivas aos estudos.
Após a revisão de 1978, houve uma pausa de oito anos sobre o assunto nas publicações do ARIST. A despeito disso, os estudos continuaram crescendo, impulsionados por intensas discussões que ocorriam na época. Um marco decisivo que incentivou novos estudos foi a criação, em 1976, do Centre for Research on User Studies - CRUS, na Universidade de Sheffield, Inglaterra, com o apoio do British Library Research and Development Department (BLRDD). O centro era constituído por um grupo de pessoas cuja responsabilidade era torná-lo um núcleo nacional de expertise em estudos de usuários, abrangendo quatro áreas interligadas, nomeadamente pesquisa, educação, consultoria e informação (WILSON-DAVIS, 1977).
O paradigma predominante nas décadas entre 1950 a 1970, o behaviorista, sustentava-se na crença de que a metodologia empregada para estudar o comportamento humano deveria dar ênfase à objetividade e neutralidade. Mais que isso, embora as abordagens metodológicas adotadas nos estudos fossem, de fato, pouco robustas, algumas das críticas encontradas na literatura parecem refletir uma preocupação positivista, tendência natural das pesquisas até então.
Sobre o foco central comumente adotado, Wilson (2000) acrescenta que muitos trabalhos, antes de meados da década de 1970, estavam mais preocupados com o uso de sistemas do que com o uso da informação. No entanto, ainda nessa época, percebia-se a tendência dos estudos em enfatizar o usuário e não mais o sistema per se. Era, então, possível distinguir dois grupos de pesquisas. O primeiro, formado por estudos orientados para o uso de unidades de informação (bibliotecas, centros de informação, dentre outros). O segundo, estudos orientados para o comportamento de comunidades específicas de usuários na busca da informação necessária as suas atividades.
Nos estudos orientados para os usuários, um tópico importante desenvolvido pelo CRUS focalizava os não-usuários. Isso porque, de acordo com pesquisas anteriormente realizadas, 70% da população do Reino Unido nunca havia usado bibliotecas ou centros de informação e 50% a 60% jamais comprara um livro. Havia, portanto, a necessidade de descobrir quais eram as informações necessárias e os meios usados por esses grupos de não usuários para buscá-las. A hipótese era de que essas pessoas usavam diferentes redes de informação, formadas por amigos, vizinhos ou colegas de trabalho, além de televisão, jornais ou outros meios. As unidades de informação compunham, na verdade, apenas uma parte dessa estrutura de informação utilizada (WILSON-DAVIS, 1977).
As conclusões a que chegou Wilson-Davis (1977) revelam, pelo menos, dois pontos. O Primeiro, de que o foco adotado nos estudos -os usuários ou os sistemas - precisava ser ampliado, levando em conta não somente os sistemas formais constituídos de bibliotecas e outros centros de informação, mas também os informais. O segundo aspecto revelado pelas descobertas do autor é o de que o comportamento informacional de usuários, por ser um processo natural do ser humano, envolve todo tipo de meios e canais de acesso requeridos para o atendimento das necessidades de informação.
3.3. Décadas de 80 e 90
Como dito anteriormente, a primeira revisão dessas duas décadas ocorreu oito anos após a última revisão da década de 1970. Dervin e Nilan (1986) revisaram, portanto, a literatura sobre a busca e o uso da informação a partir de 1978. Observaram que muitos estudos ainda estavam centrados nos sistemas e no paradigma tradicional.
São sete as características identificadas no paradigma tradicional. A primeira, a objetividade, em que a informação é entendida como algo com significado constante, correspondendo, de forma absoluta, à realidade. A segunda, o mecanicismo, cujo foco é sobre o sistema, não percebendo o usuário como indivíduos com objetivos, autocontrole e capacidade para tomar decisões. A terceira, a passividade dos usuários, sustentada na idéia de que os usuários são receptáculos passivos de informação objetiva, com a tarefa de receber em mãos pacotes de informações. A quarta, a transsitucionalidade, em que se tenta predizer o comportamento dos usuários por meio de estatísticas e modelos que poderiam ser aplicados em várias situações. A quinta, a visão atomística da experiência, em que os estudos centram-se na interação entre os usuários e os sistemas de informação. A sexta, a concepção behaviorista, em que se foca mais o comportamento externo, como contatos com fontes e usos de sistemas, em detrimento da cognição interna, que não pode ser cientificamente observada. Por fim, o caos, fundamentado na crença de que as pesquisas produzem observações sistemáticas e padrões de comportamento para os sistemas de informação. Nessa perspectiva, a individualidade significa o caos.
Poucos estudos oferecem perspectivas alternativas em que se percebe a emergência de um novo paradigma. As principais características identificadas nesse novo paradigma, em oposição à abordagem tradicional, são as seguintes. A subjetividade, em que se reconhece a subjetividade humana resultante de uma realidade que não transmite significado constante. O construtivismo, em que o conhecimento não é dado como acabado, constituindo-se pelas interações do indivíduo com o meio, mediante o uso da linguagem. A visão dos usuários como seres ativos, direcionados por seus próprios objetivos e capacidade de escolhas próprias. A situcionalidade, que considera o comportamento informacional variável, de acordo com a especificidade da situação. A visão holística, por meio da qual os usuários devem ser compreendidos em um contexto social mais amplo e os sistemas como um dos elementos a que os usuários podem recorrer quando necessitam de informação. O cognitivismo, que se centra na crença de que as abordagens fundamentadas no comportamento e no desenvolvimento cognitivo podem contribuir substancialmente com a ciência da informação. Finalmente, a individualidade sistêmica, em que se reconhece a emergência da inclusão dos valores individuais.
O paradigma emergente, descrito anteriormente, foi construído pela análise da literatura evidenciada nas novas abordagens:
· valor atribuído pelo usuário: centrado na percepção do usuário sobre a utilidade e o valor do sistema de informação;
· sense-making: maneira como as pessoas dão significado ao mundo e ao uso da informação nesse processo;
· estado anômalo de conhecimento: análise de como as pessoas buscam informações relativas a situações em que seu conhecimento é incompleto.
Observa-se, assim, que a principal diferença entre as abordagens adotadas no paradigma tradicional e no paradigma emergente está vinculada aos aspectos psicológicos, em que se identifica a primeira como behaviorista, e a segunda como cognitivista. Adicionalmente, é possível identificar, do ponto de vista de orientação metodológica, o positivismo permeando as pesquisas fundamentadas no paradigma behaviorista, no sentido em que se adotava, essencialmente, a abordagem quantitativa e o método hipotético-dedutivo. Os estudos centrados no paradigma cognitivista, por sua vez, provavelmente já influenciados pela fenomenologia, começam a se nortear por métodos qualitativos e indutivos, evidenciados nas abordagens descritas.
Ellis, Dervin, Kuhlthau e Wilson são alguns pesquisadores associados a essas mudanças. A partir de fins da década de 1980, os estudos orientados pelo ponto de vista cognitivo reconhecem que as necessidades de informação ocorrem tanto no âmbito cognitivo como no sociológico. As pesquisas buscavam conhecer as características únicas de cada usuário e o processo cognitivo comum à maioria deles, abordando questões como categorização técnica, memórias de curto e longo prazos, estilos de aprendizagem, motivação, tipos de personalidades e fatores semânticos (HEWINS, 1990).
Hewins (1990) publicou a 11ª revisão sobre necessidades e usos da informação, cobrindo o período de 1986 a 1989. Nesse período houve mudanças significativas no modo como a informação era disseminada e na tecnologia disponível para buscá-la. O objetivo da revisão foi verificar a consolidação do novo paradigma, descrito por Dervin e Nilan (1986), e a contribuição de outras disciplinas, além da ciência da informação e biblioteconomia, pelo fato dos estudos estarem difundidos por muitas áreas de conhecimento. A autora observou um processo cíclico em que os novos direcionamentos das pesquisas eram definidos em função do ímpeto dos paradigmas que emergiam deles próprios. Condizente com esse processo de mudança, surgiram metodologias alternativas, como a linha do tempo, que retrata “cenas” ao longo de um período, permitindo identificar eventos críticos. É também o caso do uso de diários, apresentando todas as possíveis soluções para um problema particular e a informação usada para escolher cada uma das soluções. Outra alternativa citada foi a técnica do incidente crítico. Hewins (1990) concluiu que a premissa de Dervin e Nilan (1986) sobre a mudança de paradigma era validada pelo surgimento de novas abordagens na literatura, mais centradas nos usuários do que nos sistemas e baseadas nos processos cognitivos. Os novos temas pesquisados relacionavam-se com as características dos usuários e como compreendê-los melhor, tendo caráter mais interdisciplinar que os anteriores.
Embora muitos dos novos estudos estivessem fundamentados na abordagem cognitiva, em fins da década de 1980 surgiu a abordagem social. O eixo dos trabalhos[2] estava centrado nos significados e valores que os indivíduos atribuem aos contextos social e sócio-cultural, dentre outros. Essa abordagem foi desenvolvida para estudar os fenômenos que transcendiam a estrutura cognitiva. O trabalho de vanguarda foi desenvolvido por Chatman (1999), que propôs três estruturas para estudar o comportamento informacional: “teoria da pobreza de informações”, “teoria do ciclo da vida” e “teoria do comportamento normativo”. Outra teoria que cresceu intensamente desde o início dos anos 90 foi a abordagem multifacetada, que entende o comportamento informacional como um sistema complexo em que é necessária a integração de várias teorias para descrevê-lo e analisá-lo (Pettigrew; Fidel; Bruce, 2001).
Ainda em meados da década de 90, o interesse em discutir as pesquisas e o desenvolvimento conceitual que fundamentavam os estudos foi intensificado, como pode ser observado por pelo menos três iniciativas. A primeira, em 1996, com a conferência intitulada “Information Seeking in Context”, realizada, a partir de então, bianualmente, em vários países da Europa. A segunda, em 1999, com o estabelecimento do grupo de estudos “Information Needs, Seeking and Use” (SIGUSE), pela American Society for Information Science (ASIS), atual American Society for Information Science and Technology (ASIST). A terceira, a publicação de uma edição especial do periódico Information Processing & Management sobre Information Seeking in Context (PETTIGREW, FIDEL, BRUCE, 2001). Nota-se, portanto, uma espécie de institucionalização do tópico, resultante da relevância que tais estudos representam, sem dúvida alguma, para a ciência da informação.
No final da década de 1990, as publicações de Wilson deram início a debates sobre a adequação do termo ‘comportamento informacional’ para se referir aos estudos de necessidade, busca e uso da informação. Os argumentos a favor baseavam-se nas observações de que o campo de estudos estava se ampliando e precisava incluir conceitos sobre necessidades e oferta de informação. Os argumentos contrários sustentavam-se na ideia de que o termo ‘comportamento’ poderia ser associado inapropriadamente ao paradigma behaviorista da psicologia. Do ponto de vista semântico, o termo seria inadequado, pelo fato de que informação não possui comportamento. No entanto, apesar das críticas, essa expressão parece ter aceitação geral pelo uso em títulos de artigos e cursos acadêmicos.
3.4. Estudos contemporâneos (2000 em diante)
Na revisão de Pettigrew, Fidel e Bruce (2001), primeira da década de 2000, ratifica-se o uso do termo “comportamento informacional”, visto que substituiu a tradicional expressão “necessidades e uso da informação”, empregada no título do trabalho das revisões anteriores. O objetivo do trabalho foi verificar os avanços no desenvolvimento da estrutura conceitual do tópico, a partir do paradigma centrado no usuário. Como resultado da análise, os autores identificam três abordagens. A primeira, cognitiva, que examinam o comportamento individual a partir do conhecimento, convicções e crenças que medeiam as percepções de mundo. A segunda, social, baseada nos significados e valores que as pessoas atribuem aos vários contextos. Finalmente, a abordagem multifacetada, que integra múltiplos pontos de vista para a compreensão do comportamento informacional.
Os autores concluíram que outro ‘salto quântico’ ocorre na área do comportamento informacional, qualificado pelo núcleo centrado no usuário. Mais que isso, caracteriza-se, também, pela ênfase na interação entre os contextos cognitivo, social, cultural, organizacional, afetivo e fatores lingüísticos, em que o fenômeno do comportamento informacional é parte do processo de comunicação do ser humano. Ainda segundo os autores, a base teórica da ciência da informação sustenta-se na idéia de um campo ortogonal, que analisa o fenômeno da informação em diferentes cenários, usando perspectivas interdisciplinares, como sugeriu Bates em 1999. Nesse sentido, a literatura reflete uma compreensão madura do fenômeno informação em termos de cognição, aspectos sociais e outros fatores, permanecendo a necessidade de estudar mais profundamente cada um deles. Pettigrew, Fidel e Bruce (2001) sugerem, ainda, que o desafio é prover orientações para os projetos de sistemas verdadeiramente centrados no usuário e que reflitam a sustentação teórica do comportamento informacional.
Após quatro anos da publicação do trabalho de Pettigrew, Fidel e Bruce (2001), Case (2006) propôs outra revisão, identificando pesquisas que contemplavam três categorias: profissão (gerentes, cientistas), papel desempenhado (aluno, pacientes) e aspectos demográficos (idade, gênero, grupos étnicos). Para a análise dos trabalhos, o autor presumiu que o componente central do comportamento informacional é a noção de interação com um conjunto potencial de fontes que podem indicar os interesses e necessidades de informação. Concluiu que os estudos de comportamento informacional estão mais populares e contam com a participação de pesquisadores de várias partes do mundo, diferentemente de 30 anos atrás, quando prevaleciam as pesquisas realizadas no Reino Unido. Nas pesquisas analisadas, Case (2006) identificou a existência de quatro pontos importantes, nomeadamente: mais atenção no contexto e na influência social; mais esforços em entender a ‘mente’ do indivíduo; mais tempo gasto com os sujeitos individualmente; e maior profundidade da descrição global. Nesse sentido, as teorias de várias disciplinas têm sido fundamentais para o crescimento e consolidação do tópico.
O autor finalizou o trabalho enfatizando a importância da precisão do título dos artigos. Para ele, muitos trabalhos centrados na busca de informação na Internet estão sendo denominados ‘comportamento informacional’, acarretando uma banalização do conceito. Argüiu que coisas diferentes não podem ter o mesmo ‘rótulo’. Comportamento informacional deve ser compreendido de modo mais amplo, e as pesquisas mais estritas devem ser inseridas como subtópicos.
Discutindo as implicações metodológicas decorrentes da influência contextual relacionada estreitamente ao tipo de abordagem empregada, Courtright (2007), intitula sua revisão ‘o desafio do contexto nas pesquisas de comportamento informacional’. Nessa discussão, contexto pode ser compreendido sob quatro perspectivas.
Contexto como container refere-se à noção de que os elementos existem objetivamente em torno do ator e podem ser enumerados pelo pesquisador que o observou. Nessa perspectiva, comportamento informacional é descrito em termos das principais características, que, todavia, não são analisadas levando-se em conta o contexto. Em outro aspecto, contexto compreendido como construção de significado, as atividades informacionais são relatadas considerando-se o modo como as influências e as variáveis são percebidas e construídas pelos indivíduos que buscam e usam informação. Para a autora, o modelo falha por não dar conta da complexidade, da variabilidade e das interações mútuas, tais como rede social, tecnologias da informação e práticas organizacionais. O terceiro sentido de contexto relaciona-se à construção social dos indivíduos, compreendidos como seres sociais que constroem a informação por meio da interação social, e não somente pelo que está ‘dentro de suas cabeças’. Por fim, a perspectiva do indivíduo social pode ser ampliada para incluir o contexto relacional – embeddedness – abrangendo também as variáveis externas que influenciam a ação. Nessa dimensão, o contexto é a construção resultante da interseção do ponto de vista do indivíduo com o pesquisador.
Courtright (2007) observou que os fatores e elementos mais citados que influenciam o contexto são: papel desempenhado; recursos de informação (bibliotecas, livrarias, agências de informação); meio cultural; fatores sociais como rede e capital social, normas e colaboração no trabalho; aspectos relacionados às tarefas, problemas, situações e tecnologias; e, por fim, papel desempenhado no trabalho e a atividade humana. A autora concluiu a revisão, apresentando a consolidação do paradigma centrado no indivíduo e não mais nos sistemas como tendência identificada no estudo.
Há, no entanto, segundo Courtright (2007), o desafio de conceitualizar as formas de influência no contexto sem retornar à visão centrada nos sistemas, na qual as ações de informação são vistas como previsíveis conforme o conjunto de variáveis ambientais. Muitas pesquisas ainda continuam a comparar contexto com um conjunto de elementos físicos e a identificar uma ou mais variáveis como causas ou elementos tangencialmente relacionados à prática de informação do indivíduo. No entanto, existe um grande número de modelos e tendências teóricas que engloba a complexidade do contexto e percebe os indivíduos incluídos em um contexto complexo, múltiplo, sobreposto e dinâmico. Elementos como sociabilidade, cultura, normas organizacionais e recursos, assim como mudanças tecnológicas e relação de forças, não podem ser excluídos do processo de pesquisa. Essas novas tendências de investigação implicam novas metodologias e uso de múltiplos métodos, por exemplo, etnografia, observação e entrevistas.
A última revisão desta primeira década do século XXI foi realizada por Fisher e Julien (2009), com análise de alguns de trabalhos de 2004, e os demais entre 2005 e início de 2008. Embora ainda não publicada formalmente, e não disponível em bibliotecas no Brasil, foi possível ter acesso ao texto por meio das próprias autoras. Nos trabalhos por elas selecionados, todos escritos em língua inglesa, foram observados os métodos de pesquisa, o contexto, o fator humano (acadêmicos, cientistas, estudantes, grupos profissionais, pessoas e a vida cotidiana, bem como as pessoas no contexto de saúde), fontes de informação, conceitos na pesquisa de comportamento informacional e estrutura conceitual.
Ao abordarem o tema, Fisher e Julien (op. Cit) provêm uma definição bastante completa de comportamento informacional, a qual mostra, de fato, que o conceito abrange toda a gama de estudos relacionados com o usuário e com a informação. Nesse sentido, inclui estudos das necessidades de informação, e de como as pessoas a buscam, gerem, fornecem e usam, tanto propositada quanto passivamente, em suas vidas diárias. Em citação literal a Case (2006), as autoras ratificam a idéia de que o campo do comportamento informacional vem mostrando maturidade nas investigações, pela atenção crescente dada às teorias, nos estudos recentes.
A revisão é concluída corroborando a contínua expansão das pesquisas de comportamento informacional em termos dos números de estudos e de pesquisadores do tópico, como observado também por Case (2006). O foco dos estudos centra-se nos fatores contextuais, na ênfase em abordagens construcionista e construtivista, e também na ampliação e no desenvolvimento de teorias e métodos. Isso porque estudos de usuários de informação na ciência da informação como um todo, considerando os grupos estudados, passaram a focalizar tanto o contexto organizacional quanto o comunitário e o de negócios, e não somente o contexto acadêmico ou industrial, como nos primeiros tempos. Tal ampliação de foco, por sua vez, tende a se refletir nas abordagens de outros temas e tópicos da área.
4. Comportamento informacional: por uma perspectiva complexa
O tópico ‘comportamento informacional’ tem sido bastante explorado no ARIST. Substitui a nomenclatura utilizada nos trabalhos anteriormente denominados sob o cabeçalho ’necessidades e uso de informação’. Em termos quantitativos, foram, até o momento, 15 revisões, sendo que a década de 1970 mostra-se a mais profícua (cinco revisões), a despeito da década de 2000, ainda não completada, mostrar-se com boa produção de revisões (quatro). Considerando-se a evolução dos estudos de comportamento informacional desde a primeira revisão do ARIST publicada, em 1966, até a última, em 2009, percebem-se mudanças significativas no foco dos trabalhos, culminando nos seguintes pontos:
· pesquisas mais centradas no indivíduo;
· inclusão de outros grupos estudados, além de cientistas e tecnólogos;
· abordagem multifacetada, englobando os aspectos cognitivo, social, social-cognitivo e organizacional;
· compreensão do comportamento informacional como processo em que os indivíduos estão constantemente buscando e usando informações;
· ampliação dos estudos qualitativos, assim como do uso de múltiplos métodos;
· maior robustez teórica, com aumento de fundamentação interdisciplinar;
· crescimento do número de pesquisas, envolvendo pesquisadores de todas as partes do mundo;
Tais mudanças paradigmáticas começaram a germinar a partir da percepção das limitações impostas pelo instrumental teórico-metodológico, na esteira da contestação dos principais postulados da concepção científica vigente em meados do século passado. A evolução conceitual dos ‘estudos de usuários’ para ‘estudos de comportamento informacional’ reflete a necessidade de se compreender os fenômenos em uma perspectiva multidimensional. Isso porque ocorre uma profunda imbricação na tessitura dos fenômenos, em que vários fatores desempenham papéis decisivos na produção do conhecimento.
Essa multidimensionalidade, no entender de Morin (2000), considera a realidade antropossocial, composta de várias dimensões, nomeadamente, individual, social e biológica. Mais que isso, compõe-se de disciplinas especializadas, por exemplo, economia, psicologia e demografia como as diferentes faces da uma mesma realidade. Nesse sentido, as disciplinas precisam ser diferenciadas e tratadas como tais, não isoladas e incomunicantes.
De fato, como destacado por Courtright (2007), os indivíduos estão incluídos em um contexto complexo, múltiplo, sobreposto e dinâmico, que requer novas metodologias e uso de múltiplos métodos. Nesse sentido, é importante destacar que tal contexto norteia tanto a construção teórica necessária aos estudos de comportamento informacional, quanto o modo de se delinear a investigação propriamente dita.
É possível, portanto, concluir que o comportamento informacional, compreendido como processo natural do ser humano no papel de aprendiz da própria vida, requer visão ampla de todo o contexto. Requer, ainda, o entendimento das relações estabelecidas em determinado espaço-temporal em que ocorrem ações de busca, uso e transferência de informação. Os indivíduos se engajam nessas ações quando se deparam com uma necessidade de informação.
Contudo, se o processo é natural, a aprendizagem humana para gerenciar e usar as informações pode ocorrer de forma mais eficaz se houver sistematização e ensino desse conhecimento. Isto é: se os indivíduos forem letrados informacionalmente. Nessa linha de pensamento, um dos desafios dos pesquisadores da ciência da informação é gerar conhecimento que possa ser utilizado em prol da conscientização, da educação e da construção da cidadania pelo uso desse conhecimento, com vistas a um mundo sustentável, ético e viável.
5. Referências bibliográficas
ALLEN, Thomas J. Information need and use studies. Annual Review of Information Science and Technology, v.4, p. 3-29, 1969.
BATES, M. J. The invisible substrate of information science. Journal of the American Society for Information Science, v. 50, n. 12, 1999. Disponível em: <http://www.gseis.ucla.edu/faculty/bates/substrate.html>. Acesso em: 08 ago. 2006.
BRITTAIN, J.M. Information and its users: a review with special reference to the social sciences. Bath: Bath University Press, 1970.
CHATMAN, Elfreda A. A theory of life in the round. Journal of the American Society for Information Science, n.50, v.3, p. 207-217, 1999.
CASE, Donald O. Information Behavior. Annual Review of information Science and Technology, v. 40, p. 293-327, 2006.
CRANE, Diana. Information needs and uses. Annual Review of Information Science and Technology, v.6, p. 3-39, 1971.
DERVIN, Brenda; NILAN, Michael. Information needs and uses. Annual Review of Information Science and Technology, v.21, p. 3-33, 1986.
FIGUEIREDO, Nice Menezes de. Estudos de uso e usuários da informação. Brasília: IBICT, 1994.
FISHER, Karen; JULIEN, Heidi. Information Behavior. Annual Review of Information Science and Technology, v. 43, p. 317-358, 2009.
HERNER, Saul; HERNER, Mary. Information need and use studies in science and technology. Annual Review of information Science and Technology, v.2, p. 1-34, 1967.
HEWINS, Elizabeth T. Information need and use studies. Annual Review of information Science and Technology, v.25, p. 145-172, 1990.
KUHN, Thomas Samuel. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1962.
LIN, Nan; GARVEY, William D. Information need and use studies. Annual Review of Information Science and Technology, v.7, p. 5-37, 1972.
LIPETZ, Ben-Ami. Information needs and use. Annual Review of Information Science and Technology, v. 5, p. 3-32, 1970.
MARTYN, John. Information need and use studies. Annual Review of Information Science and Technology, v. 9, p. 3-23, 1974.
MENZEL, Herbert. Information needs and uses in science and techonology. Annual Review of Information Science and Technology, v.1, p. 41-46, 1966.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 6 ed. Rio de Janeiro: Berthand Brasil, 2000.
PAISLEY, W. Information needs and uses. Annual Review of Information Science and Technology, v. 3, p. 1-30, 1968.
PETTIGREW, Karen E.; FIDEL, Raya; BRUCE, Harry. Conceptual frameworks in information behavior. Annual Review of Information Science and Technology, v. 35, p. 43-78, 2001.
WILSON, T.D. Human information behavior. Informing Science Research, v.3, n.2, p. 49-55, 2000.
______. Models in information behaviour research. Journal of Documentation, v.55, n.3, p. 249-270, jun. 1999.
WILSON-DAVIS, K. The centre for research on user studies: aims and functions. Aslib Proceedings, v. 29, n. 2, p. 67-76, fev, 1977.
[1]Para este estudo, foi realizado levantamento quantitativo dos termos ‘comportamento informacional’, ‘busca e uso da informação’, ‘busca da informação’, ‘uso da informação’, ‘necessidades de informação’ e ‘estudos de usuários’ no catálogo on-line do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia), nas bases LISA (Library and Information Science Abstracts), ERIC (Education Resource Information Center) e no buscador Scirus com o objetivo de se ter uma primeira visão do assunto. As buscas realizadas mostram que o termo ‘necessidades de informação’ é o mais utilizado. O motivo pode estar relacionado à tradição, uma vez que os primeiros estudos focavam-se nas necessidades dos usuários. Por outro lado, observa-se que o termo ‘comportamento informacional’ mesmo tendo sido cunhado recentemente, começa a ser empregado de forma mais intensa.
[2] Os tópicos sobre abordagem social e multifacetada foram resumidos na revisão de Pettigrew, Fidel e Bruce (2001).
GASQUE, Kelley Cristine Gonçalves Dias; COSTA, Sely Maria de Souza. Evolução teórico-metodológica dos estudos de comportamento informacional de usuários. Ci. Inf., Brasília, v. 39, n. 1, Apr. 2010 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-19652010000100002&lng=en&nrm=iso>. access on 27 Jan. 2011. doi: 10.1590/S0100-19652010000100002.
http://revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/viewArticle/1206
Nenhum comentário:
Postar um comentário